O açougueiro, o camelô e o jornalista
Por Carlos Chagas
BRASÍLIA - O "seu" Manoel, dono do açougue da esquina, é craque na arte de cortar carne. Dá gosto vê-lo tirar filés e costelas, com o seu facão. Por conta disso, estará autorizado a operar alguém de apendicite?
O camelô da pracinha é outro craque. Convence todos os que passam diante de sua banquinha e vende quantos produtos apresente. Poderá, por suas qualidades oratórias, vestir beca, entrar num tribunal e defender uma causa?
Dizem que jornalista é quem nasce com o dom de escrever e, por isso, a exigência do diploma para o exercício da profissão é extemporânea e desnecessária. Ora, o dom de escrever faz o escritor, que mesmo sem ser jornalista está autorizado a publicar seus escritos em qualquer jornal ou revista, enriquecendo-os.
Ser jornalista não é melhor nem pior do que ser escritor. É apenas diferente, na medida em que o jornalista necessita dispor de conhecimentos sobre edição, diagramação, composição, marketing, fotografia, audiovisual e outras atividades ligadas à atividade. Além disso, torna-se imprescindível ao jornalista conhecer História, Geografia, Filosofia, Ética, Economia, Semântica, Línguas e outras ciências capazes de levá-lo ao bom desempenho de suas funções.
Onde um jovem conseguirá adquirir sistematizadamente esses conhecimentos senão nos bancos universitários, nos cursos de Comunicação? Claro que o dom de escrever e a experiência, como nas diversas profissões que exigem diploma, tornam-se fundamentais, mas parece indiscutível a vantagem de receber de forma ordenada e didática todo esse cabedal.
Houve tempo em que não se exigia diploma para o exercício da medicina. Curandeiros dedicavam-se à atividade de minorar doenças, mas, como o mundo anda para frente, faz séculos que o diploma de médico é obrigatório. Tiradentes não dispunha do diploma de dentista, mas depois da exigência do diploma não parece melhor para todos nós procurarmos um consultório odontológico?
Custou, para os jornalistas, a hora da obrigatoriedade do diploma. Mas chegou, em 1969. De quando em quando pretendem contestá-lo. Democracia é assim mesmo, cada um pensa como quer e defende os pontos de vista que bem entende. É preciso, porém, desfazer equívocos. Muita gente se insurge contra o diploma de jornalista alegando o dom de escrever.
Esquecem-se de que o dom da palavra não faz o advogado, nem o de cortar carne, o médico. O que muitos pretendem é evitar um conjunto profissional formado por antecipação, nos bancos universitários. Futuros jornalistas em condições de chegar às redações em condições de reivindicar melhores condições de trabalho, tanto éticas quanto financeiras. Querem a classe desunida para poder manipulá-la, podendo contratar qualquer um que se disponha a não questionar e não se impor.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, dias atrás, a necessidade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Quem reivindicava era um médico, valendo ressaltar que jamais a equação desenvolveu-se ao inverso, ou seja, nunca um jornalista solicitou, nos tribunais, o direito de exercer a medicina sem diploma de médico. A situação parecia definida de uma vez por todas, mas por conta desses intrincados meandros da Justiça o Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão, por medida liminar.
Tudo bem, aguarda-se a decisão do mérito. Enquanto ela não vier, aqueles que, sem diploma, conseguiram o registro de jornalista poderão continuar a exercer a atividade. Não haverá, assim, que celebrar a decisão da mais alta corte nacional de Justiça como um golpe mortal no diploma de jornalista. Tratou-se apenas de medida cautelar. Não deixa de ser irônico verificar como certos meios festejaram a sentença preliminar. Pelo motivo já exposto: impedir que os jornalistas atuem como categoria organizada. Reivindiquem. Rejeitem a transformação da notícia num agente a serviço de interesses não jornalísticos.
A obrigatoriedade do diploma exprimiu um avanço sensível na nossa profissão. E olhem que quem assina essa defesa emocionada não tem diploma da jornalista, apenas registro, depois de 48 anos ininterruptos do exercício do jornalismo, 25 como professor titular de Ética e de História da Imprensa...
Fica para outro dia argumentação paralela sobre outro tema que nos assola, como jornalistas. No caso, as sucessivas tentativas de governos variados para enquadrar a profissão nos limites de um pensamento político único, quem sabe até de um partido único. Ainda recentemente, tentaram criar o tal Conselho Nacional de Jornalismo, que permitiria a seus dirigentes, nomeados pelo governo, suspender do exercício da profissão os companheiros que não pensassem e escrevessem conforme suas concepções. Uma agressão à Constituição, proposta felizmente escoada pelo ralo, no Congresso. Mas é bom ficar alerta, porque sofremos ataques dos dois extremos. Sinal de estarmos na posição correta.